Na primeira parte desse artigo, * Nathalia Francisco e Mario Carvão, arquitetos e urbanistas da cidade de Poços de Caldas abrem debate sobre a atuação da prefeitura nesses primeiros 4 anos de administração tucana, onde não temos muito a comemorar...

Introdução
Passados dois meses do fim do primeiro mandato do prefeito de Poços, já é possível analisar como foram os primeiros quatro anos de seu governo na área do urbanismo. Este é um texto introdutório das questões atuais da cidade e que serão aprofundadas ao longo do ano de 2021.
Não é uma crítica pessoal nem que queira apontar culpados. De uma forma geral, a gestão urbana na administração encerrada em 2020 não foi muito diferente da média das anteriores. O problema é que a média geral é muito baixa para uma cidade como Poços de Caldas, centro regional e com um grande legado urbanístico.
É importante salientar que os desafios para o desenvolvimento urbano não se esgotam em oito anos, tempo máximo que um prefeito pode estar à frente da administração de um município, mas se trata de planos e estratégias construídos e executados em longo prazo, que exigem continuidade, comprometimento e diálogos com a população e que superem interesses pessoais e de grupos políticos e econômicos.
Administração e Legislação
Assim como nos dois governos anteriores, Sérgio Azevedo falhou em apresentar à Câmara Municipal a revisão do Plano Diretor Participativo (PDP) de 2006. O PDP é a principal diretriz urbana de uma cidade, determinando o zoneamento (em que bairros pode se instalar uma indústria, por exemplo) os coeficientes construtivos (qual a altura que os prédios podem ter, etc.), leis de proteção ambiental (como delimitar áreas de preservação, proteger recursos hídricos, não permitir que se construa em áreas de risco, entre outras) e o perímetro urbano (até onde a cidade pode crescer).
De acordo com a legislação municipal, o PDP deveria ser revisado a cada cinco anos; portanto, a primeira revisão seria em 2011. Ocorre que ela não foi feita nem em 2016 - na gestão passada do prefeito Eloísio do Carmo Lourenço (embora o projeto tenha sido enviado à Câmara e posteriormente retirado) - nem em 2020, pela atual gestão reeleita, desrespeitando a legislação federal que estipula a revisão a cada dez anos. O prejuízo para a cidade é enorme, já que o principal instrumento de planejamento urbano está defasado há 14 anos.
O Planejamento Urbano é um direito coletivo garantido pela Constituição, e tem por objetivo “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes'', conforme estabelecido no art 182. Quando o Poder Público Municipal não cumpre com as diretrizes fixadas pela lei não está desrespeitando apenas os princípios da Constituição Federal, mas principalmente um direito fundamental da população, que é o direito à cidade, e o direito de participar ativamente de sua construção.
Tão importante quanto definir as leis urbanísticas é garantir que elas sejam cumpridas tanto durante a aprovação do projeto quanto na fiscalização do imóvel já construído. No entanto, o próprio poder público cria um mecanismo para que a lei não seja posta em prática. Esse mecanismo é a anistia ou regularização onerosa, em que se paga uma taxa para que o imóvel irregular seja considerado regular e possa por exemplo ser comercializado. Em praticamente todos os anos dessa administração foram criadas leis para que os imóveis irregulares sejam anistiados.
Se a intenção era regularizar imóveis de família de baixa renda, que sem a assessoria de um arquiteto e às margens do mercado imobiliário, tem como única opção de moradia, a autoconstrução ou a ocupação de áreas impróprias, nem sempre isso ocorre, já que muitos favorecidos pela anistia são imóveis construídos por grandes empresas e em alguns casos reincidentes.
Mobilidade
No dia 10 de maio de 2019 [1], foi apresentado pela Universidade Federal de Itajubá (Unifei), campus Itabira, o diagnóstico da mobilidade urbana de Poços de Caldas. Ele serve para orientar os planos da prefeitura para a mobilidade, como o Plano de Mobilidade Urbana (PMU) e o Plano Diretor Participativo. O contrato com a Unifei foi de 600 mil reais e o PMU não foi sequer iniciado e também não foi aproveitado no projeto do PDP. Ou seja, foram 600 mil reais gastos em 2019 e a cada ano que se passa os dados colhidos para o diagnóstico se tornam mais irrelevantes.
Quanto ao transporte coletivo, o atual prefeito também falhou em conseguir contratar
uma nova concessionária para a cidade. O contrato da atual empresa acabou em 2019 e não pôde ser renovado. A empresa ainda opera na cidade em contrato emergencial.
A reforma da calçada na avenida João Pinheiro, anunciada como ampliação da ciclovia, foi feita sem sinalização horizontal (faixas, demarcações) ou vertical (placas), o que põe em risco tanto os ciclistas quanto os pedestres. Ainda assim, a qualidade desta, que faz a ligação entre o Centro e a Zona Oeste da cidade, é incomparável ao abandono e total precarização da ciclovia que interliga a Zona Sul ao centro, e que coloca em risco não só as pessoas e ciclistas que utilizam o espaço para a prática de atividades esportivas, como muitos trabalhadoras e trabalhadores que têm a bicicleta como principal alternativa de transporte para se locomover de casa para o trabalho, tendo em vista que muitos optam por não usar o transporte coletivo, devido aos preços abusivos das passagens. Além da falta de sinalização adequada e dos vários pontos em que pedestres e ciclistas são colocados em conflito com os automóveis, a ciclovia está esburacada em diversos trechos. Tal situação evidencia as atenções que o Poder Público Municipal destina ao centro, em detrimento dos bairros periféricos, reproduzindo a lógica da produção capitalista do espaço, segregando sistematicamente a população sobre o solo urbano, de acordo com o que cada classe pode pagar.
Embora tendo prometido em seu Plano de Governo, a “Continuidade na instalação do Trem Turístico, desde que viabilizado efetivamente pelo Governo do Estado” a gestão passada não deu prosseguimento ao projeto de reativação do trem na cidade mesmo tendo o governo estadual disponibilizado dez milhões de reais para o projeto.
A reativação da linha do trem em Poços, ligando a estação central à CBA (onde ainda existe a ligação à malha ferroviária do sudeste) tem importância não apenas histórica, turística e econômica, mas também de mobilidade urbana, já que a linha pode ser usada para a circulação da própria população poços-caldense.
No próximo artigo avaliaremos o desenho urbano e a proteção ambiental e do patrimônio histórico construído.

Links
Licitação Irregular
Poços de Caldas promete edital do transporte público para outubro (21 de setembro de 2019)
Licitação do transporte coletivo de Poços de Caldas entra na mira do MP (28 de setembro de 2019)
Poços de Caldas cumpre determinação da Justiça e suspende licitação de ônibus (26 de setembro de 2020)
Circullare esclarece contrato emergencial e o novo valor da tarifa
http://pocoscom.com/circullare-esclarece-contrato-emergencial-e-o-novo-valor-da-tarifa/
Nova lei prorroga prazo para municípios elaborarem plano de mobilidade urbana
Diagnóstico Mobilidade Urbana
Audiência Pública apresenta Plano de Mobilidade Urbana para Poços (06/05/2019)
Unifei de Itabira desenvolverá Plano de Mobilidade Urbana para Poços de Caldas
[1] Plano de Mobilidade Urbana é apresentado em audiência pública
Ciclovia
Ciclovia da João Pinheiro recebe obra de ampliação
https://pocoscom.com/ciclovia-da-joao-pinheiro-recebe-obra-de-ampliacao/
Prefeitura recompõe trecho da ciclovia
https://pocosdecaldas.mg.gov.br/noticias/prefeitura-recompoe-trecho-da-ciclovia/
Trem
Estado entrega convênio para implantar trem turístico em Poços, MG (28/01/2016)